Ela começou com um incêndio, real, na cidade de Rotherham, Inglaterra, no verão de 1985. A casa não foi reduzida a cinzas, mas o andar térreo foi sim danificado e – aqui nasce o mito – um quadro de uma criança chorando na parede sobreviveu praticamente intacto. Apesar da estranheza, a história seria esquecida, não fossem duas coincidências.
A primeira era que o irmão do proprietário da casa, Ron Hall, era um bombeiro. E este irmão ouviu de um outro colega que já havia ocorrido vários casos onde essas bizarras pinturas baratas sobreviveram intactas a incêndios.
A segunda casualidade foi que o tablóide Sun, e em particular, seu editor Kelvin MacKenzie, viram nesta história cotidiana uma mina de ouro. E estavam certos. Depois da publicação original de uma pequena nota em 4 de setembro de 1985, bradando a "Flamejante Maldição do Garoto em Lágrimas", alegando que a "pintura é a causa de incêndios", o Sun conseguiu criar um frenesi popular em torno da lenda.
O tablóide passou a receber e exagerar histórias similares de incêndios, que por sua vez geravam mais e mais histórias. No auge do pânico, o Sun iniciou uma campanha para que os ingleses se desfizessem das imagens malditas. Semanas depois, conseguiu promover uma grande queima de 2.500 quadros enviados por seus leitores, comandada pelas famosas garotas seminuas da página 3, em um grande serviço público.
A essas alturas, as autoridades em realidade já condenavam o “golpe de publicidade barato” do tablóide, e estavam sendo inundadas por ligações de cidadãos preocupados com a maldição, fosse ela sobrenatural ou apenas causada por quadros muito inflamáveis.
A realidade, contudo, era justamente o contrário. Os quadros seriam simplesmente impressos em um cartão de alta densidade, “difícil de queimar”, como explicou um oficial dos bombeiros. Reproduzidos em massa, baratos e muito populares, onipresentes como canetas Bic, não seria muito difícil encontrar um deles pendurado em qualquer residência que pegasse fogo em meados dos anos 1980. Não havia incêndios de origens misteriosas, como o tablóide vendia, causas corriqueiras foram descobertas para diversos casos promovidos como fruto da maldição.
Nada disso impediu que o mito criasse vida própria, e mesmo muito depois que os tablóides se esqueceram do tema, com a internet ganhou novas asas. Detalhes sobre as origens das pinturas, o pacto satânico do pintor, mensagens “subliminares”… não é nada difícil pintar algo sinistro em quadros com crianças chorando.
Dizem ainda os rumores pela internet que o pintor, arrependido, chegou mesmo a aparecer em um programa Fantástico nos anos 1980, apelando para que as pessoas jogassem fora suas reproduções. Dado que nada disso foi noticiado na Inglaterra, origem de todo pânico, é duvidoso que isto seja verdade. Mas adoraríamos ver a confissão, se é que existe. O Fantástico sim deve ter noticiado o assunto nos anos 80, o que explicaria como a lenda se tornou tão famosa também por aqui.
Em meio a todas as histórias, sabemos que o pintor, sob o pseudônimo de "G. Bragolin", seria o espanhol Bruno Amadio… ou "Franchot Seville". O fato de não haver dados biográficos certos sobre ele ajuda a alimentar os rumores, porém o detalhe é que vários dos quadros de gosto duvidoso não foram de sua autoria. Outra pintora que criou alguns dos quadros é a escocesa Anna Zinkeisen, muito menos envolta em mistério.
O verdadeiro enigma é como imagens tão questionáveis fizeram tanto sucesso, e não é tanto surpresa que alguns cogitassem assim um pacto com o diabo para explicá-lo. A associação em lendas urbanas de arte popular de gosto duvidoso com terríveis maldições não é incomum: no Brasil, a maldição do bebê de três olhos está atormentando a banda Calypso há anos.
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